A ética prática dos não-moralistas, I.
Ou: o prazer breve-raso do oportunismo "que deu certo" não vale as incontáveis horas passadas no desespero mal-disfarçado diante do vazio irremediável.
E ainda: a pimenta acaba ardendo no cu deles também!
Tudo em que se pode crer é imagem da verdade.
Mais uma vez
Dorme
A noiva da velocidade
Tece tranças
Para o resgate
Fios desencapados
Labirinto
Mais uma vez
Prometeu
Morder o bicho
Que rói a maçã
Arrancar-lhe de dentro
Veneno e
Mais uma vez
Prometeu
Quebra, fenda, fissura
Asa líquida
Sobre a cidade acesa
Da princesa
Paranóia
O relógio toca outra marcha nupcial, de cravos e ruído branco. Na alegria e no abismo, no fogo e no riso, no espelho de agulhas, no baile das navalhas
O último beijo agudo
Que me despertaria
No esquife
Cilíndrico
De cristal
Dorme
A noiva da velocidade
Era uma vez.
Tem gosto de sal e noite
Voz de luz e conhaque
Andar de gueixa bêbada
E a face de um serafim quebrado
Dança feito fadas e putas
Late com pastores alemães
E mia com gatos pretos
Em dias de lua vazia
Desiste antes de começar
Porque tudo decai e termina
Não vê porque estragar a beleza
Nesse mundo “real”
Além do bem e do mal
Livre para si
Segue sorrindo
Na coerência limpa
Um fuso-horário despencar
O relógio no anti-horário
Marcou seis horas
E sessenta e seis minutos
Veja só que anti-tudo
Que atitude estranha a destes tempos
Mas foi bonito a eternidade
Por um segundo e
Três quartos da Terra são água
Três quartos fechados
Cinco sextos eu não sei
Só sei dos cestos de maçãs
Sete oitavos são minhas meias
Presas por cinta-liga
Ando meio desligada
Sinto muito
E um pouco mais
Sete oitavas de distância
Entre nós, atados
Nove décimos andares
Pra gente despencar
Como um fuso-horário
E me faz mal
Mas se acalme
O tempo voltou
Vamos voltar
Em outro compasso
O fim do mundo
Nunca vai chegar
Aos confins do mundo:
Não há tempo.
Luminasonar, um dia de 2001.
Águas errantes de eras apaziguadas, texturas infames de incêndios caindo em desespero manso, a intensidade escorre em abandono, em instantes de risos, um desfazer de plantas anciãs, um derramar de vinhos esquecidos, aquarelas nanquins aguadas, tuas duas faces dissonantes em quatro dimensões, cores e movimentos
Toda água é salgada
Todo corpo é estranho
Se não for o teu corpo
Rosto que me habita
Antevisto em sonhos
Tudo estático agora, tudo branco cegando, tudo negra luz ausentando-se, tudo transparência, límpido sem cor, tudo deixando ver algo do outro lado, as paisagens líquidas, ígneas algas esvoaçando. O que me resta, o que me resta de ti? Resta ainda um momento solar de incerteza doce, resta ainda um dia sem rancores e sem paz mas cheio de toques beijos verdades encaracoladas sob o azul inquieto de belezas distantes
Sempre estivemos aqui
Extremos
Caminhando com longas pernas de madeira
As árvores do sem-tempo
Morada dos imemoriais
Sempre estivemos aqui
Unidos em nosso estar-sós
Nos planaltos das antípodas
Nossas duas imperfeições completando-se em silêncio e gozo, em músicas de marfim liquefeito noite condensada quartzo evaporado acrílico orgânico, os sons impossíveis que eu ouvia fazendo-se um círculo luminescente um coração de tinta sangrada em folhas e cipós amargos tomando a forma de um dioniso cintilando cheiros entorpecentes. Matéria de um inventário do imaginário tornada fato fantasioso, marionete refletindo-se em lagos foscos em superfícies obtusas em concavidades invisíveis. Refestelando-se em agonias marítimas, em profundezas de gota cansada, anti-narcísica descomedindo-se, quem será que não mais se adivinha quando já não se reconhece? Renasce, renasce das entranhas terrosas, do rio memória e do rio esquecimento, pode até surpreender-se diante de si mesma, em simplicidade e sorrisos, em arca-istmo que liga terras e mares, arké, ananke, a fonte e a necessidade de ser, as faces refeitas em suor orvalhado, o verdor dionisíaco do rubro acaso sob a lua redonda cheia de gatos e rosada por vênus, estrela da manhã cadente. Indissoluta herméticafrodisíaca, calada cantando, sereias acendendo ventos e foices e o azul limpo dos dias de todos nós, nós desfeitos nos cabelos cortados, LIBERDADE. Fluxo do feliz dizer-se mesmo no nada de algumas palavras de anilina, mesmo nos quebrados de um ontem afoito, mesmo fora de si mesma dentro de tudo dispersa em seu centro expandível em raios luminosonoros. Estou aqui.
Por aqui vai passando o cavaleiro azul pela ponte, sob corvos que já não voam mais, feras pastam entre girassóis e gritos, não nos vemos há mais de cem anos, como você vai? Vou indo. Passou rápido, não?
Nossas telas são eletrônicas, freqüências fragmentadas, fast forward é o que nos apraz, velozes chegamos até onde o vento faz a curva sem dizer adeus e pode ser encaixotado e ganhar o nome de ar-condicionado.
Eu já vi neve no freezer de alguém.
Entre em contato conosco – não falei com deus em uma página de internet.
Um deserto épico entre o corredor e o carpete.
Um decerto ético entre o elevador e a quitinete.
Uma rima pobre como todos nós.
E ainda assim
O mesmo grande assombro.
O mesmo grande assombro diante da respiração de todas as coisas.
O mármore é macio sob o peso imensurável do tempo, fios rotos de um relógio de pano tecendo a história, átomos que outros já respiraram no andar dos mortos sob a luz-lembrança das estrelas que já não são mais. Lacuna de luminosidade movente nos poros da terra, sombras da árvore ao pé de todas as coisas: o mesmo grande assombro.
Havia uma esperança
Na escada torta
E um cisne acre-doce
Quando eu subia:
Não há mais.
Havia um lacre
No vão da porta
De um crime
De cara roxa
Quando eu entrei:
Não há mais.
Havia uma dúvida
Pendurada na orelha
No sopro de búfalo
À frente do carro
E do caminho
Que engendra a semente
Dentro de tudo
O imaginável:
Ainda está lá.
Lá bemol
Sol sustenido
No céu de papel
Cante comigo.
Um abraço no espaço-tempo que nos distende e
Aproxima,
L.
Desejo multiforme que se torna uno
Em corpo semi desconhecido
Ósseo e belo como imagens sangradas
De antigas adolescências
Desejo afiado em seta
Não se desvia de seu objeto
Homem menino centauro esguio
Hades andrógino de frutas escuras
Anjo esquivo das torturas
Lascívia e silêncio
Desejo de fontes ancestrais
De ares incandescentes de orgias
Antes da primeira palavra cega
Desejo fulvo Desejo Aleph
Desejo estrela no peito
Dissolvente em lava
Ígneos brancos ígnea matriz
Conjunção
Desejo
Tempo de raiva, do despertar de iras antigas, tropeços encimesmados afundando e refluindo estigmas. Um ver repleto de descrer, de angústia que se nega ao cinismo mas se trai em desgosto. Criar vinte personagens que digam o que não consigo, o que não cabe em minha persona, máscara-eu. Outro eu além do clichê-máscara? Maquiar a cara de de vinte e tantas mil maneiras diferentes e esquecer o rosto num canto. Enfiar a faca no olho do espelho-mudo e assistir ao seu choro. Clap clap clap, palmas para o palhaço, amendoins para os macacos, elefantes para os ratos, não alimente os animais, hora do comercial.
Quantos além? Vinte personagens ou três ou sete ou quatorze mil fragmentados habitantes das antípodas do que chamam “mente”, certamente muito mais do que estas cinco letrinhas com seu som fanhoso conseguem expressar. Quatorze mil guerreiros agora, de épocas várias, do atemporal. Quatorze mil contra “o mundo”, dragão inefável de brutalidade, rindo o sangue dos antepassados, dos que morrem neste segundo que já passou e no seguinte também, quatorze mil em guerra contra as pequeninas regras e sistemas e interdições e pagamentos e impostos reprovações liquidações hipocrisias politicagens invejas cegas, vejas de ler ou de limpar, tá sujo aqui, ó! DEIXA SUJO, o que você acha que limpar aí vai te fazer de tão incrível? Hora da novela.
Quatorze mil em uma batalha pode não ser muito, mas é mais que um desgastado eu, manco e flácido e histérico adiposo, quatorze mil pedaços restantes formam um todo?
Não espere mais respostas. Silêncios tumultuosos, intrigas palacianas, rasteiras, bofetadas, galãs e bandeirinhas de São João, já é dia das mães, é? Como nesse ano o tempo vôou, né menina? Entra o jingle, hora de esgrima no para-peito.
Torpor e um fazer-se planta, pedra, novelo, fôlego, coisas sem pergunta, sem resposta e maiores que ecos reflexos de “ser”, isso que chamam “eu”. Fazer-se esfinge, fluxo do Estige e dos estigmas tecer enigmas mutáveis, aracnídeos, novelos de Ariádne. Não devo falar muito para que nada se esclareça em demasia e me torne mal-compreendida. Torno-me outra. Meu “eu” não é lírico. A primeira pessoa é só mais uma.
Hora do chá, sente-se por favor.
Olhos grávidos
De árvores distendidas
Um fantasma ígneo
Lambe as costas manchadas
É um muro de heras
Com luzes rabiscadas
Duas velas foram acesas
E depois fumadas
Algo novo aconteceu
Finalmente algo novo
E tudo está
Na mesma, tudo está
Em frente à casa dos cegos
O sinal apita
É verde para os que vêem
Eu mal escuto
Não atravesso
Mal escuto
Minha música está alta
E atravessada
Eu fora do tempo
Eu em nenhum lugar
Imensa Porosa Desfocada
E atravessada
Pelas dez mil flechas
Que foram acesas
E nunca apagadas.
Silêncios rotos, distâncias amassadas e livros não escritos pesando entre pesares na pequena bolsa do tamanho do mundo, enquanto torres tremem por causa do padre chovendo ícaro e balões coloridos nas areias indiferentes. Sono nas juntas e dor de cabeça, mas mesas de sinuca decoradas com santinhos de São Jorge, chaveiros chineses e bolas de Natal naufragam dragões, amém.
Hein?!