30.4.08

A ética prática dos não-moralistas, I.

O bom da "ética flexível" é que um dia ela se aplica a quem a pratica.
Ou: o prazer breve-raso do oportunismo "que deu certo" não vale as incontáveis horas passadas no desespero mal-disfarçado diante do vazio irremediável.
E ainda: a pimenta acaba ardendo no cu deles também!

29.4.08

Repensando...

...sobre coisas que já escrevi aqui:

Política: cada um que faça a sua, esta é a única honestidade possível. Sem medo de mudar de opinião, território e zona autônoma no instante seguinte.

Armas: que todos tenham as suas e saiam atirando violentas violetas, oxímoros oxidados e mônadas metonímicas por aí.

Lembrando enfaticamente que:

A Terra é azul como uma laranja
Redonda como uma pêra
Sólida como oceanos de vodka
e guitarras triplamente destiladas

Sem mais, subscrevo-me
acima.

26.4.08

Mais uma vez

Dorme

A noiva da velocidade

Tece tranças

Para o resgate

Fios desencapados

Labirinto

Mais uma vez

Prometeu

Morder o bicho

Que rói a maçã

Arrancar-lhe de dentro

Veneno e encanto

Mais uma vez

Prometeu

Quebra, fenda, fissura

Asa líquida

Sobre a cidade acesa

Da princesa

Paranóia

O relógio toca outra marcha nupcial, de cravos e ruído branco. Na alegria e no abismo, no fogo e no riso, no espelho de agulhas, no baile das navalhas

O último beijo agudo

Que me despertaria

No esquife

Cilíndrico

De cristal

Dorme

A noiva da velocidade

Era uma vez.

25.4.08

Tudo o que se faz

No mundo dos mudos

É falar em paz.

Nove textos

Feitos faz uns 13 anos ou umas 17 horas.
Tudo muda, mas nem tanto.

Alma Liber

Tem gosto de sal e noite

Voz de luz e conhaque

Andar de gueixa bêbada

E a face de um serafim quebrado

Dança feito fadas e putas

Late com pastores alemães

E mia com gatos pretos

Em dias de lua vazia

Desiste antes de começar

Porque tudo decai e termina

Não vê porque estragar a beleza

Nesse mundo “real”

Além do bem e do mal

Livre para si

Segue sorrindo

Na coerência limpa

Da lógica dos sonhos

Sete oitavas


Olhei para o céu e vi

Um fuso-horário despencar

O relógio no anti-horário

Marcou seis horas

E sessenta e seis minutos

Veja só que anti-tudo

Que atitude estranha a destes tempos

Mas foi bonito a eternidade

Por um segundo e

Três quartos da Terra são água

Três quartos fechados

Cinco sextos eu não sei

Só sei dos cestos de maçãs

Sete oitavos são minhas meias

Presas por cinta-liga

Ando meio desligada

Sinto muito

E um pouco mais

Sete oitavas de distância

Entre nós, atados

Nove décimos andares

Pra gente despencar

Como um fuso-horário

E me faz mal

Mas se acalme

O tempo voltou

Vamos voltar

Em outro compasso

O fim do mundo

Nunca vai chegar

Aos confins do mundo:

Não há tempo.

(Cartas de Terras Insondáveis II ou XXVII)

Luminasonar, um dia de 2001.

Águas errantes de eras apaziguadas, texturas infames de incêndios caindo em desespero manso, a intensidade escorre em abandono, em instantes de risos, um desfazer de plantas anciãs, um derramar de vinhos esquecidos, aquarelas nanquins aguadas, tuas duas faces dissonantes em quatro dimensões, cores e movimentos

Toda água é salgada

Todo corpo é estranho

Se não for o teu corpo

Rosto que me habita

Antevisto em sonhos

Tudo estático agora, tudo branco cegando, tudo negra luz ausentando-se, tudo transparência, límpido sem cor, tudo deixando ver algo do outro lado, as paisagens líquidas, ígneas algas esvoaçando. O que me resta, o que me resta de ti? Resta ainda um momento solar de incerteza doce, resta ainda um dia sem rancores e sem paz mas cheio de toques beijos verdades encaracoladas sob o azul inquieto de belezas distantes

Sempre estivemos aqui

Extremos

Caminhando com longas pernas de madeira

As árvores do sem-tempo

Morada dos imemoriais

Sempre estivemos aqui

Unidos em nosso estar-sós

Nos planaltos das antípodas

Nossas duas imperfeições completando-se em silêncio e gozo, em músicas de marfim liquefeito noite condensada quartzo evaporado acrílico orgânico, os sons impossíveis que eu ouvia fazendo-se um círculo luminescente um coração de tinta sangrada em folhas e cipós amargos tomando a forma de um dioniso cintilando cheiros entorpecentes. Matéria de um inventário do imaginário tornada fato fantasioso, marionete refletindo-se em lagos foscos em superfícies obtusas em concavidades invisíveis. Refestelando-se em agonias marítimas, em profundezas de gota cansada, anti-narcísica descomedindo-se, quem será que não mais se adivinha quando já não se reconhece? Renasce, renasce das entranhas terrosas, do rio memória e do rio esquecimento, pode até surpreender-se diante de si mesma, em simplicidade e sorrisos, em arca-istmo que liga terras e mares, arké, ananke, a fonte e a necessidade de ser, as faces refeitas em suor orvalhado, o verdor dionisíaco do rubro acaso sob a lua redonda cheia de gatos e rosada por vênus, estrela da manhã cadente. Indissoluta herméticafrodisíaca, calada cantando, sereias acendendo ventos e foices e o azul limpo dos dias de todos nós, nós desfeitos nos cabelos cortados, LIBERDADE. Fluxo do feliz dizer-se mesmo no nada de algumas palavras de anilina, mesmo nos quebrados de um ontem afoito, mesmo fora de si mesma dentro de tudo dispersa em seu centro expandível em raios luminosonoros. Estou aqui.

(Cartas de Terras Insondáveis - I ou XXII)

Overhillsandfaraway, um belo dia, ano esquecido.


Como tem passado?

Por aqui vai passando o cavaleiro azul pela ponte, sob corvos que já não voam mais, feras pastam entre girassóis e gritos, não nos vemos há mais de cem anos, como você vai? Vou indo. Passou rápido, não?

Nossas telas são eletrônicas, freqüências fragmentadas, fast forward é o que nos apraz, velozes chegamos até onde o vento faz a curva sem dizer adeus e pode ser encaixotado e ganhar o nome de ar-condicionado.

Eu já vi neve no freezer de alguém.

Entre em contato conosco – não falei com deus em uma página de internet.

Um deserto épico entre o corredor e o carpete.

Um decerto ético entre o elevador e a quitinete.

Uma rima pobre como todos nós.


E ainda assim

O mesmo grande assombro.


O mesmo grande assombro diante da respiração de todas as coisas.
O mármore é macio sob o peso imensurável do tempo, fios rotos de um relógio de pano tecendo a história, átomos que outros já respiraram no andar dos mortos sob a luz-lembrança das estrelas que já não são mais. Lacuna de luminosidade movente nos poros da terra, sombras da árvore ao pé de todas as coisas: o mesmo grande assombro.

Havia uma esperança

Na escada torta

E um cisne acre-doce

Quando eu subia:

Não há mais.

Havia um lacre

No vão da porta

De um crime

De cara roxa

Quando eu entrei:

Não há mais.


Havia uma dúvida

Pendurada na orelha

No sopro de búfalo

À frente do carro

E do caminho

Que engendra a semente

Dentro de tudo

O imaginável:

Ainda está lá.

Lá bemol
Sol sustenido
No céu de papel
Cante comigo.


Um abraço no espaço-tempo que nos distende e

Aproxima,

L.

"A"


Desejo multiforme que se torna uno

Em corpo semi desconhecido

Ósseo e belo como imagens sangradas

De antigas adolescências

Desejo afiado em seta

Não se desvia de seu objeto

Homem menino centauro esguio

Hades andrógino de frutas escuras

Anjo esquivo das torturas

Lascívia e silêncio


Desejo de fontes ancestrais

De ares incandescentes de orgias

Antes da primeira palavra cega

Desejo fulvo Desejo Aleph


Desejo estrela no peito

Dissolvente em lava

Ígneos brancos ígnea matriz

Conjunção


Desejo

Novela

Tempo de raiva, do despertar de iras antigas, tropeços encimesmados afundando e refluindo estigmas. Um ver repleto de descrer, de angústia que se nega ao cinismo mas se trai em desgosto. Criar vinte personagens que digam o que não consigo, o que não cabe em minha persona, máscara-eu. Outro eu além do clichê-máscara? Maquiar a cara de de vinte e tantas mil maneiras diferentes e esquecer o rosto num canto. Enfiar a faca no olho do espelho-mudo e assistir ao seu choro. Clap clap clap, palmas para o palhaço, amendoins para os macacos, elefantes para os ratos, não alimente os animais, hora do comercial.

Quantos além? Vinte personagens ou três ou sete ou quatorze mil fragmentados habitantes das antípodas do que chamam “mente”, certamente muito mais do que estas cinco letrinhas com seu som fanhoso conseguem expressar. Quatorze mil guerreiros agora, de épocas várias, do atemporal. Quatorze mil contra “o mundo”, dragão inefável de brutalidade, rindo o sangue dos antepassados, dos que morrem neste segundo que já passou e no seguinte também, quatorze mil em guerra contra as pequeninas regras e sistemas e interdições e pagamentos e impostos reprovações liquidações hipocrisias politicagens invejas cegas, vejas de ler ou de limpar, tá sujo aqui, ó! DEIXA SUJO, o que você acha que limpar aí vai te fazer de tão incrível? Hora da novela.

Quatorze mil em uma batalha pode não ser muito, mas é mais que um desgastado eu, manco e flácido e histérico adiposo, quatorze mil pedaços restantes formam um todo?

Não espere mais respostas. Silêncios tumultuosos, intrigas palacianas, rasteiras, bofetadas, galãs e bandeirinhas de São João, já é dia das mães, é? Como nesse ano o tempo vôou, né menina? Entra o jingle, hora de esgrima no para-peito.

Torpor e um fazer-se planta, pedra, novelo, fôlego, coisas sem pergunta, sem resposta e maiores que ecos reflexos de “ser”, isso que chamam “eu”. Fazer-se esfinge, fluxo do Estige e dos estigmas tecer enigmas mutáveis, aracnídeos, novelos de Ariádne. Não devo falar muito para que nada se esclareça em demasia e me torne mal-compreendida. Torno-me outra. Meu “eu” não é lírico. A primeira pessoa é só mais uma.

Hora do chá, sente-se por favor.

Atravessada

Imensa Porosa Desfocada

Olhos grávidos

De árvores distendidas

Um fantasma ígneo

Lambe as costas manchadas

É um muro de heras

Com luzes rabiscadas

Duas velas foram acesas

E depois fumadas

Algo novo aconteceu

Finalmente algo novo

E tudo está

Na mesma, tudo está

Em frente à casa dos cegos

O sinal apita

É verde para os que vêem

Eu mal escuto

Não atravesso

Mal escuto

Minha música está alta

E atravessada

Eu fora do tempo

Eu em nenhum lugar

Imensa Porosa Desfocada

E atravessada

Pelas dez mil flechas

Que foram acesas

E nunca apagadas.

Meu querido diário:

Silêncios rotos, distâncias amassadas e livros não escritos pesando entre pesares na pequena bolsa do tamanho do mundo, enquanto torres tremem por causa do padre chovendo ícaro e balões coloridos nas areias indiferentes. Sono nas juntas e dor de cabeça, mas mesas de sinuca decoradas com santinhos de São Jorge, chaveiros chineses e bolas de Natal naufragam dragões, amém.

Hein?!