26.10.05

A cedilha do bolo

Ontem cometi um erro grave. Vergonhoso. Um atentado. À língua portuguesa, coitada. Passei um email que começava gloriosamente assim: "Com licensa". Com LICENÇA que eu já cheguei fazendo merda, rs. Uma amiga veio me perguntar o que deu em mim pra escrever licensa com "S". Bem, sem querer justificar o mico, mas... acho que tenho lido muito na internet, que é um festival de português errado, abreviações e dialeto dos miguxos. Além dos textos em inglês - correto ou não. "Licensa" me parece ter vindo do inglês "license". Bizarro isso, não sou de cair nesses erros assim... ultimamamente tenho cometido essas coisas. Ou me pego pensando na grafia correta de uma palavra simples, com uma dúvida ortográfica que não existia. Nunca fui CDF de gramática, nunca soube as regrinhas e na escola (cof,cof!) quando me perguntavam como eu sabia escrever direitinho, eu concluía que era porque estava sempre lendo. Lendo em português correto, bem entendido. Creio que estamos cada vez mais assimilando rápido, tanto o certo quanto o errado - mais uma das "pegadinhas" da internet. Vou deixar uma gramática ao lado do computador. E com LICENÇA que eu vou ler um LIVRO em bom português.

25.10.05

Não somos todos idiotas, oh compatriotas!

Já vieram me perguntar se eu acho que todo mundo que votou no "não" é um idiota, pato e fascistóide. Ora, é claro que não. Sei que muita gente votou no "não" como sinônimo de "foda-se o governo e esta porra deste referendo mala". Meus sinceros respeitos a estes, embora ache isso um tanto irresponsável e precipitado - quem pensa assim deveria votar NULO ou ter ficado em casa enchendo a cara.

Meus sinceros respeitos também a quem ouviu um trechinho do Xaxim no meio da rua indo pro trabalho, ou nem nem ouviu... só leu a respeito. E acreditou. Normal, acontece. A realidade às vezes é tão absurda que a caricatura convence. Mas também meus sinceros votos de "fodam-se e morram com um tiro de arma legalizada no meio dos cornos" aos que divulgaram uma piada como se fosse verídica para defender o "não", aos que insistiram nisso mesmo quando se provou que era falso, aos que bolaram emails vergonhosos. E meus votos de "aprendam a pensar e pesquisar antes de repassar lixo, porra!" a todos que encheram o saco de milhares de pessoas com emails de conteúdo mentiroso que instigavam a paranóia, sem nem buscar conferir se aquelas informações eram verdadeiras: e não eram. E não são, e continuarão a não ser. Parabéns por colaborarem com a cagada. Mas idiota MESMO é quem insiste que estava certo, pra não pagar de idiota. Pra não admitir o erro, há quem reafirme o erro, errando ao quadrado. Há quem propague o erro, errando ao cubo. É a hybris deliberada, um fenômeno difícil de compreender. Porque é muito idiota, vai.

Já vieram me perguntar também se agora eu é que não estou meio paranóica: sim, claro que estou. Ora, a paranóia venceu, não é mesmo? O que pensar disso? Que deve dar merda. Pode não dar, mas sinto um cheirinho, viu... tá no ar. Continuo a achar que é grave que o discurso do medo e da falsa informação tenham vencido. Se tivesse vencido o "não" por uma margem pequena, foda-se, nada ia mudar. Se o "sim" tivesse vencido por pouco, no fim das contas pouca coisa ia mudar. Mas a goleada de um ou de outro não é um bom sinal. Principalmente a goleada de quem acreditou num discurso falso e a favor das armas. É uma declaração de "vivemos com medo e acreditamos em qualquer coisa, somos alvo fácil, aaai, eu tenho medo, minha gente!". Parabéns, compatriotas. Continuem arriando as calças com uma arma na mão que assim vamos bem! Depois, não consegue nem correr, porque a calça tá arriada, iiiih, olha lá!

Também continuo a achar que fazer uma campanha do sim superficial e festivazinha foi idiota. Continuo a me achar idiota por só ter me dado ao trabalho de pensar seriamente na questão uns três dias antes. Me acho idiota também por outros motivos, mas isso não vem ao caso. Ou seja: não somos todos uns idiotas! Mas somos. Mais idiota é quem nega. O Xaxim não é idiota.

Em homenagem, recomendo "Os Idiotas", do Lars Von Trier, "Os idiotas mesmo" e todo o humor do Alan Sieber.
Recomendo também:

Um festival do caralho

Um vídeo do caralho (only for freaks)
Ver gente do psy trance fritando na boca do palhaço

E tenhamos uma boa semana, com nariz de palhaço na cara pra comemorar melhor. E não há nada a comemorar.

24.10.05

Vou-me embora de Patópolis que aqui eu sou inimiga do Rei.

As duas campanhas foram ridículas: nenhuma mostrava as fontes de todos os dados que apresentava, pois as duas tinham furos que não queriam expor. A do "sim" perdeu tempo demais com textos vagos, presepada de ator e xaropada de vestir de branco e abraçar Lagoa, ninguém mais atura essa babaquice. Quando apresentou argumentos um pouco melhores, já estava em cima da hora. Teve gente que votou não por conta disso, mas a campanha do "não" foi ainda mais patética, parecia discurso de velho esclerosado; só que apelou para o medo e nego caiu, assim como caiu até na história do traficante que não existe – a qual só foi esclarecida aos quarenta minutos do segundo tempo e, mesmo assim, muita gente não ficou sabendo ou se negou a acreditar que foi feita de otária. A campanha do "não" ainda tinha a seu lado a impopularidade do governo e do próprio referendo em si, ninguém estava a fim de votar.

A única opção inteligente parecia o nulo. Boa opção. Mas achei que o “não” estava fazendo uma campanha tão sinistra que merecia ser combatido – embora já soubesse que não ia adiantar. “Tomar partido é humano”. E o “não” ganhou, óbvio. Achei que isso não fosse ter maior significado, mas essa conclusão foi superficial e precipitada.

Percebi que esse referendo que eu nem julgava tão relevante pode ser mais importante do que parece. Está traçado um perfil da maioria da sociedade brasileira: e é um perfil fraco, medroso e conservador. As armas são só um detalhe, considerando que a maioria nunca vai nem ver uma arma na vida – talvez, só na hora da morte. A questão é quais os argumentos que mais convenceram, que vozes foram mais ouvidas, ao que se deu crédito.

Começo a sentir um forte cheiro de merda vindo das urnas eletrônicas. Dessas de ontem e das de 2006. Segundo os resultados de ontem, confirmamos: o Brasil assume seu lado reacionário, burro, cagão, mesquinho e medíocre. E não porque o brasileiro quer ter o direito imbecil de se armar, mas pelas coisas nas quais ele acredita. Qualquer zé acha que é um alvo invejado e morre de medo de perder a sua TV de 14 polegadas comprada em 12x nas Casas Bahia. Qualquer funcionário público acomodado e sem atitude acha que, se puder ter uma arma, vai defender seus sagrados bens, a certeza da sua "macheza" e a integridade da sua família - nessa ordem mesmo. Qualquer mané acha que pode ser mais malandro que o malandro de carteirinha assinada na escola do crime. Qualquer um enfurnado no seu apartamentinho fuleiro acha que pode acontecer uma "revolução dos traficantes que vão invadir o asfalto" e que, com a sua pistolinha, vai poder se defender de bazucas, AR-15s e quetais. Boa parte acredita que vai poder se defender de um "golpe de estado" com o seu 38. Uau, nego se garante mesmo, hein? O coelhinho da Páscoa mandou lembranças e disse que Papai Noel vai bem, obrigado.

O brasileiro acredita. Acredita em "homens de bem", em bandidos e mocinhos, em bang-bang. Acredita que uma arma pode salvar vidas, acredita em piadas de internet com traficantes chamados Xaxim, acredita que é o fodão do Bairro Peixoto quando está quase se cagando de medo, com o cu apertadinho. O brasileiro acredita no medo e tem medo de mudanças. É retrógrado. É pobre e tem medo dos mais pobres: pobreza de espírito. Quem tem cu tem medo e resolvemos declarar logo que somos uns cuzões. Um país de Reginas Duarte. “Eu tenho medo, minha gente!”. Argh. Sai Regina, xô!

Foi uma grande pesquisa "de mercado" esse referendo - e foi num momento de péssima popularidade do governo, que se fudeu. Também, quem mandou cometer o mesmo erro que o cidadão médio-abaixo-da-média: achar que ia ser mais malandro que os malandros profissionais, mais malandro que os bandidos engravatados e venais que há tantos anos “tiravam o seu” lá no Planalto... Se deu mal, PT. Foi jogar o jogo sujo dos antigos adversários achando que estava sendo esperto mas eles eram mais experientes e te passaram a perna. Nunca deixaram de ser adversários. Dançaram alguns peões, mas e daí, PT PaTo?! Tua Rainha tá em cheque e tu com fama de passar cheque. Muita gente votou "não" por conta disso, foi um não ao governo, um não de revolta. Menos mal. Mas irresponsável.

Bem, mas o que os carinhas que visam o poder político a qualquer custo podem fazer a partir desse resultado? O fato é que quem quiser se eleger a qualquer coisa, a qualquer preço, já sabe agora muito bem pra que tipo de "lógica" apelar: a que instiga o medo e o sentimento de posse mais primitivo, a do não-racional, da paranóia e conspiração, do obscurantismo intelectual, da barbárie, do fascismo latente. “Apela que funciona, não se preocupe com a veracidade dos fatos, se você repetir mil vezes que 2+2=5, eles vão acreditar”. É só vender a alma, vai.

Em uma das conversas que tive sobre o referendo, com uma pessoa que sempre foi “de esquerda”, ouvi as seguintes pérolas: “A campanha do sim é apenas uma farsa que esconde interesses norte-americanos, trata-se de uma questão econômica, de não entregar todo o mercado de armas curtas para os EUA e Israel”. Não sei porque o termo “teoria conspiratória anti-sionista” apareceu em minha cabeça, alguém sabe me dizer porque?! Ha-ha-ha, nós somos altamente competitivos neste mercado e lucramos enormemente com as armas que os gringos compram do Brasil para matar uns aos outros – e não podemos perder isso! Que lógica, hein? Sensacional. Nacionalismo frio, puro, simples e tacanho. Total desprezo pelo humano, estamos falando em números. Escuto a segunda pérola: “sim, é nas questões nacionalistas que as esquerdas e as direitas se unem, que o trabalhador vota junto com o patrão”. Calafrios históricos ao lembrar do termo “nacional-socialismo”.

Eu tenho medo também – mas não é de armas, de bandidos ou dos mais pobres. Eu tenho medo do homem rebanho, do boizinho magro que se sente Taurus quando junto a muitos de seus iguais. Porque não há ave rara, bicho selvagem e ser racional que resista a um rebanho em marcha atrás de um pastor surtado. Os que não estão na marcha são pisoteados se não conseguirem escapar a tempo. O homem rebanho, que sozinho é passivo e baço, rejubila-se na multidão cinzenta ao pisar o que lhe é estranho, incompreensível, ameaçador.

Pode não dar em nada, pode continuar tudo a lesma lerda, afinal estamos no país da pizza; e, diante das atuais perspectivas, lesma lerda já é lucro. Porque pode dar merda. E das brabas. Eleições ano que vem. Cassandra cochicha aqui no meu ouvido: "Comece a se preparar para mala e passaporte. E boa sorte."

Quando se vive em Patópolis, é melhor voar. Porque a lógica dos patos é patológica. O medo reina. Vou-me embora de Patópolis que aqui eu sou inimiga do Rei. Mas... para onde eu vou? Pára o mundo que eu quero descer. É melhor ter o Guia do Mochileiro das Galáxias em mãos.

“Este é um tempo de trevas, meu Pai. Mas é certo que amanhece."

21.10.05

O REI DA COCA DA BOA!!!

Não, eu lerdei. Há muito tempo não lia o Cocadaboa e só ouvi o mp3 GENIAL com a piada do ano hoje:

LEIA


OUÇA

SENSACIONAL. DE ROLAR DE RIR. AGORA, IMAGINA O TIPO DE GENTE QUE LEVA ISSO A SÉRIO E USA COMO ARGUMENTO PELO NÃO?! Ou pelo sim... hahaha

CLARAMENTE PIADAAAAA
UAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Se eu tivesse alguma sombrinha de dúvida, ela teria virado pó agora. Opa! rs
É SIM, porque continuo achando que não dá pra ser não... mas dá vontade é de que houvesse cédulas para escrever: "Xaxim, o Rei da coca da boa!"

SIM, porque não dá pra ser NÃO.

Este blog estava morto. Mas essa conversa de armas é de matar, e ele resolveu ressuscitar.

Decidi: SIM.

Não acho que esse referendo tenha vindo em boa hora, porque a pizza está assando. Porque estava achando tudo uma palhaçada chatérrima e, sinceramente, sem nenhuma vontade de sair para votar no Domingo, depois da ressaca dos shows dessa semana. Não queria votar porque acredito que, independente do resultado, o que está procurando se resolver com isso não será lá muito bem resolvido. Porque essa questão toda é muito complexa e há vários problemas óbvios, sérios e urgentes que deveriam ser discutidos, votados e solucionados ANTES. Afinal, quem se arma que se cuide, já que acha que tem a situação assim tão sob controle, já que acredita que acidentes não acontecem e que jamais vai perder a cabeça - literalmente, até.

Não queria votar, mas mudei de idéia.

Recebi dezenas de emails - a maioria do não e de suas obscuras teorias conspiratórias que me soariam patéticas, se a intenção e os meios que usam não fossem tão baixos. Por que por trás de textos que procuram se passar por informativos, omitem fontes e citam trechos descontextualizados e distorcidos. Adotam uma postura aparentemente racional - mas estão sempre apelando para o medo de cada um, para os pavores mais primais, para o desespero diante da morte. Apelam para o réptil que habita os recantos mais primitivos do cérebro, apelam para aquela região em que o instinto de manter seu território a qualquer custo grita, irracional e inumano. Complexo R, informem-se. Método e discurso fascistas, informem-se.

Além disso, por mais que se esteja decepcionado e revoltado com governo do PT, não dá pra votar junto com tantos que compactuaram com a ditadura militar no Brasil
. Eu nunca vou me esquecer do que já li sobre essa ditadura, nunca vou esquecer de quando, ainda muito pequena, vi minha família chorando de alívio quando foi decretado o fim do AI-5, nunca vou esquecer de uma mulher que eu conheci, aleijada e mentalmente destruída pela tortura, não vou esquecer da foto dela antes de ser torturada, exuberante. NUNCA. Esqueço muita coisa, mas essas não. Essas memórias não vão para o Lethes. Não vou votar junto com os que compactuaram com isso tudo, com esses tantos que hoje se dizem "homens de bem". NÃO DÁ PRA DIZER NÃO.

Por mais que não se tenha fé nos resultados do SIM e que se esteja insatisfeito com esse referendo justamente AGORA, não dá pra compactuar com o palavrório fascistóide do não - e o que mal se esconde por trás dele. Eu digo SIM, mesmo sem fé no Estado, nas instituições e na própria humanidade do jeito que anda. Eu digo SIM, porque sinto o cerco do medo, da paranóia, da mediocridade, da baixeza e da barbárie avançando a cada dia - e sei bem aonde isso pode acabar.
E tenho que me manter de pé, com um sorriso gaiato, dizendo SIM, até o fim da Comédia. Porque eu sou Trágica, se é que me entendem - e o sorriso gaiato foi conquistado a duras penas. Porque não vou me render jamais, no fim das contas. DOIS MAIS DOIS NÃO É CINCO. NO CU, PARDAL!

Sorrir, e dizer um sagrado SIM.

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Ah, em tempo - e rimando com o sim - aquele papo do suposto traficante XAXIM, certamente primo das samambaias, era fake, armação, caô. Bonito, não?! Na verdade, era UMA PIADA, vejam aí embaixo... tsc, tsc.

Alguns trechos de um dos emails do SIM que eu recebi - certamente mais interessante que a apelação do não:

- Divulgaram na Internet um artigo atribuído ao prestigiado jornalista e escritor gaúcho Luís Fernando Veríssimo contra o desarmamento. Veríssimo desmentiu a autoria do artigo, e fez questão de afirmar sua posição a favor do SIM. Leia AQUI o desmentido e seu artigo "Por que sim".

- Os armamentistas inundaram a Internet com um antigo texto da juíza Denise Frossard, famosa por ter mandado prender a cúpula da contravenção do jogo do bicho do Rio de Janeiro, em que criticaria o desarmamento. Na verdade, a posição da juíza é totalmente a favor da proibição do comércio de armas, e na Câmara dos Deputados ela não só votou pelo Estatuto do Desarmamento, como lutou para que o referendo se realizasse. Veja AQUI o artigo onde ela expõe os seus motivos para votar SIM no referendo.

Um trecho do link acima:

"Sinto-me obrigada a retornar ao assunto, porque, na internet, claramente com o objetivo de confundir, numa atitude de baixa política e de leviano comportamento, circula o artigo publicado em maio de 2003, que está disponível em minha página na internet. Circula com um tom que não lhe dei e com um sentido que não tinha e não tem, para atribuir a mim, a partir do título, “Os danos da proibição”, a preferência pelo “não”, na resposta ao referendo. Com as mesmas intenções, um jornal do Rio de Janeiro, sem previamente me ouvir, resolveu, há poucos dias, republicar o artigo. Sei quem o fez, porque mandei apurar.

Perdem tempo com este jogo bobo, porque a minha opção pelo desarmamento é clara, indiscutível, e está demonstrada até pela minha decisão pessoal de nunca andar armada, mesmo tendo porte legal e passado por momentos na vida em que muitos aconselhavam o contrário.

De maneira definitiva: votarei “sim” no referendo"

--------A SEGUINTE É SENSACIONAL, ATÉ ME FEZ DAR UMAS RISADAS:


- O lobby das armas também espalhou por e-mail a falsa notícia de que um traficante do Rio, conhecido como Xaxim, estaria fazendo campanha pelo SIM no Morro do Dendê.
Primeiro atribuiram como fonte o plantão do jornal O Globo Online, e depois o jornal O Dia. O Globo Online divulgou nota desmentindo que tivesse publicado tal notícia e o chefe de reportagem de O Dia, João Antonio Barros, desmente categoricamente que seu jornal tenha publicado essa informação. Não existe no Rio de Janeiro um traficante com esse nome. Ao buscar-se a origem da notícia, constatou-se que ela foi tirada do SITE DE PIADAS "COCADA BOA". Os traficantes e bandidos em geral certamente preferem que tudo continue como está a perder uma de suas fontes de armas e munição.

- Os defensores do comércio de armas não hesitam em distorcer a história. Basta se consultar um livro sobre a Alemanha ou a Segunda Guerra Mundial para se constatar as mentiras contidas em um e-mail que eles divulgam na Internet. Dizem que Hitler desarmou a Alemanha para melhor dominar o povo. Ora, foi justamente o contrário. Para defender-se dos grupos armados do partido nazista, a República de Weimar, em 1928, promulgou uma rigorosa lei de controle de armas. Após tentar, sem sucesso, tomar o poder através de um golpe violento, Hitler mudou de estratégia e, surfando na severa crise econômica do país, ascendeu ao poder através do voto. O desarmemento inicialmente foi contra os nazistas e deu certo para evitar o golpe armado dos "camisas pardas".
Hitler acabou por implantar a ditadura, fechando o Congresso (Reichstag) e desarmando a oposição, mas armando seus seguidores, que passaram a perseguir e matar oposicionistas, judeus, ciganos, católicos e gays. Na verdade, as ditaduras desarmam as oposições para garantir o domínio de seus governos impopulares.
As democracias promovem o desarmamento civil para aumentar a segurança da população, numa perspectiva de saúde pública. São interesses opostos. Hoje, diversas democracias já fizeram leis de desarmamento e foram bem sucedidas na redução das mortes por armas de fogo.

- A tese pueril de que devemos ter armas em casa para nos proteger de revoluções é uma cópia ridícula dos argumentos da Associação Norte-americana de Fuzis, ligada à indústria de armas dos Estados Unidos, que procura manter viva a tradição da Guerra contra o colonialismo inglês, e a política então vigente de matar índios. Levantam a ameaça de golpes de Estado como se revólveres pudessem se contrapor a tanques e canhões, transmitem o medo de uma revolução ou de revolta dos pobres contra os ricos, quando a ameaça contra a qual lutamos é uma realidade que está aí: a violência provocada nas ruas e nos lares pela proliferação descontrolada de armas de fogo.

- Os defensores do comércio de armas afirmam que "o referendo não se justifica porque no ano passado teriam sido vendidas apenas 1.044 armas" (frase repetida em debates pelo deputado e ex-coronel da PM Alberto Fraga, presidente da Frente do Não). Esse dado, ele obteve junto à Taurus, o maior fabricante de armas curtas do país, que financiou 70% das suas campanhas eleitorais e que tem grande interesse em fortalecer argumentos do não, como esse.
A fonte segura e imparcial é o órgão que controla a venda de armas no país, o Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal, segundo o qual em 2004 foram vendidas 53.811 armas pequenas para civis no Brasil. Esse número exclui as armas vendidas para as empresas de segurança privada, que somaram 7.131. Só no primeiro semestre deste ano (2005), foram vendidas mais 16.089 armas para civis.
No Brasil, das mais de 17 milhões de armas em circulação, 15 milhões, isto é, 90%, estão nas mãos de civis. Se a população armada trouxesse segurança, o Brasil seria um país tranquilo e não o campeão mundial de mortes por arma de fogo.

- Afirmam que os deputados e senadores votaram a proibição do porte e do comércio de armas, mas que resguardaram seu direito legal de portar armas. Não é verdade. Políticos do Não propuseram isso, mas foram derrotados e o Estatuto do Desarmamento não abriu exceção para eles, também proibidos de portar armas.

- Dizem que "os atiradores esportivos, os caçadores e os colecionadores, categoria denominada 'CAC', não mais poderão comprar arma e munição". Não é verdade. Essas categorias são regidas pelo regulamento do Exército, conhecido como R 105, em que o Exército autoriza e fiscaliza a venda desses produtos para tiro esportivo, caça e coleções. Mentem para jogar essas categorias, garantidas pelo Estatuto, contra a proibição do comércio de armas. Essas categorias têm existência legal, que não será alterada, e são as maiores interessadas em não serem confundidas com aqueles que querem armas para vender ao narcotráfico ou para matar, ou com os que fazem uso irresponsável de suas armas.

*** Tentamos que as companhias de ônibus inter-estaduais tivessem detector de metal, para impedir que ladrões continuassem a assaltar os passageiros que viajam entre os Estados. Os políticos do Não, curvando-se aos interesses das grandes companhias de ônibus, votaram não. Isto é, rico tem segurança quando viaja de avião, mas pobre, que viaja de ônibus, não. Assim votaram os defensores do Não, que falam em "proteger os cidadãos". Neste ponto, eles venceram, e o artigo foi excluído da versão final do Estatuto.


- Dizem que, "na Austrália, Grã-Bretanha e Canadá, países em que houve desarmamento, as mortes com arma de fogo aumentaram". Não é verdade. A procuradoria geral da Austrália entrou em 2000 com um recurso contra um e-mail da NRA (Associação Nacional de Rifles, lobby das armas norte-americano) que divulgava os dados mentirosos recentemente reproduzidos pela VEJA. A experiência da Austrália, aclamada internacionalmente, comprova que a proibição votada em 1996 trouxe enormes benefícios para a segurança pública deste pais, conforme informa o governo da Austrália (http://www.aic.gov.au ). Estudo publicado pela Professora J.Ozanne-Smith, da Monash University (Victoria, Austrália) na revista Injury Prevention 2004; chegou à seguinte conclusão : "Reduções dramáticas foram alcançadas na taxa geral de mortes por arma de fogo no contexto da implementação da reforma da regulação sobre armas de fogo". De fato, desde a aprovação da nova lei, em 1996, o número total de mortes diminuiu 43% e a taxa de homicídios por arma de fogo caiu 50%. Um habitante da Austrália corre 90 vezes menos risco de morrer num homicídio com arma de fogo do que um Brasileiro.

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BEM, agora, meu único argumento a favor do "não" é que, como a maiores vítimas em geral são os próprios portadores de armas de fogo que se pensam "heróis", isso seria bom para evolução da espécie humana - cagões paranóicos burros e agressivos iriam sumindo gradativamente do pool genético! Fantástico! O Darwin Awards agradece, clap clap clap! Mas isso é só piada, e de humor-negro - porque eu também nunca fui santa, ha-ha-ha!


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