25.4.08

(Cartas de Terras Insondáveis II ou XXVII)

Luminasonar, um dia de 2001.

Águas errantes de eras apaziguadas, texturas infames de incêndios caindo em desespero manso, a intensidade escorre em abandono, em instantes de risos, um desfazer de plantas anciãs, um derramar de vinhos esquecidos, aquarelas nanquins aguadas, tuas duas faces dissonantes em quatro dimensões, cores e movimentos

Toda água é salgada

Todo corpo é estranho

Se não for o teu corpo

Rosto que me habita

Antevisto em sonhos

Tudo estático agora, tudo branco cegando, tudo negra luz ausentando-se, tudo transparência, límpido sem cor, tudo deixando ver algo do outro lado, as paisagens líquidas, ígneas algas esvoaçando. O que me resta, o que me resta de ti? Resta ainda um momento solar de incerteza doce, resta ainda um dia sem rancores e sem paz mas cheio de toques beijos verdades encaracoladas sob o azul inquieto de belezas distantes

Sempre estivemos aqui

Extremos

Caminhando com longas pernas de madeira

As árvores do sem-tempo

Morada dos imemoriais

Sempre estivemos aqui

Unidos em nosso estar-sós

Nos planaltos das antípodas

Nossas duas imperfeições completando-se em silêncio e gozo, em músicas de marfim liquefeito noite condensada quartzo evaporado acrílico orgânico, os sons impossíveis que eu ouvia fazendo-se um círculo luminescente um coração de tinta sangrada em folhas e cipós amargos tomando a forma de um dioniso cintilando cheiros entorpecentes. Matéria de um inventário do imaginário tornada fato fantasioso, marionete refletindo-se em lagos foscos em superfícies obtusas em concavidades invisíveis. Refestelando-se em agonias marítimas, em profundezas de gota cansada, anti-narcísica descomedindo-se, quem será que não mais se adivinha quando já não se reconhece? Renasce, renasce das entranhas terrosas, do rio memória e do rio esquecimento, pode até surpreender-se diante de si mesma, em simplicidade e sorrisos, em arca-istmo que liga terras e mares, arké, ananke, a fonte e a necessidade de ser, as faces refeitas em suor orvalhado, o verdor dionisíaco do rubro acaso sob a lua redonda cheia de gatos e rosada por vênus, estrela da manhã cadente. Indissoluta herméticafrodisíaca, calada cantando, sereias acendendo ventos e foices e o azul limpo dos dias de todos nós, nós desfeitos nos cabelos cortados, LIBERDADE. Fluxo do feliz dizer-se mesmo no nada de algumas palavras de anilina, mesmo nos quebrados de um ontem afoito, mesmo fora de si mesma dentro de tudo dispersa em seu centro expandível em raios luminosonoros. Estou aqui.