2.12.05

Um confortável castelinho de Lego-vento

Eu me envolvo em debates de internet às vezes, começo e não consigo parar. É um vício, uma mania? A internet acaba sendo a minha "Pólis além do espaço"? Que porra é essa? Bem, o fato é que dia desses começou uma discussão sobre "música boa e música ruim" e é claro que eu já fui questionar a tal da "objetividade" os "valores" e por aí vai. Aí embaixo está a última réplica e AQUI o link para a brincadeira toda, pra ser lida de baixo pra cima.

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Eu me dou ao trabalho de desconstruir um pouquinho e já chega alguém com um Lego pra montar um castelinho todo arrumadinho e confortável... ai, ai. Bem, Marcelo Santos, tu mesmo o disseste: "... o que me autoriza a classificar algo como "ruim" ou "bom"? Ora, 400 anos de música ocidental. "Tradição"? Pode até ser...". Pois bem, se é tradição... é cultural, é construído, é subjetivo. São 400 anos de um senso comum sendo construído ali, amalgamado no decorrer da história, blablabla. O senso comum de uma sociedade não é nada de absoluto e outras culturas têm outras noções bem diferentes do que é "qualidade", "música", etc. E da própria tradição e erudição musical ocidental já surgiu muita gente pra mostrar que pode ser tudo diferente : vide Stockhausen, por exemplo, goste ou não goste. Isso de gosto é mesmo muito idiossincrático, mas há que se reconhecer o valor do cara, não é mesmo?

Definitivamente, valores como "música ruim" e "música boa" não são "objetivos" como "a terra é redonda". E até a Terra é meio achatada nos pólos... e até a ciência já não é tão objetiva assim depois da física quântica e da Teoria da Relatividade, que daqui a pouco completa cem anos, quem diria... parece que foi ontem. Parece que nem foi... parece que tudo ainda é muito aristotélico e cartesiano. Quanto ao fato de o "ser humano ser filho da puta por natureza", é uma concepção sua: Rousseau acreditava no contrário, embora eu não acredite nele, mas muita gente acreditou. Cada um acredita no que quiser, pode acreditar em bom e ruim, em bem e mal, na bíblia, na ciência, na gramática, em objetividade, em valores absolutos, em deus, no diabo, no papai noel, no coelhinho da páscoa... eu acredito em duendes, eles costumam não mentir pra mim, HAHAHA. Mas vamos lá: eu não gosto de música ruim porque sou o centro do mundo (mundo tem centro?): eu não acredito no próprio conceito de "bom" e "ruim" objetivos e absolutos, catzu! Porque é tão difícil entender isso? Para mim o "castelinho de Lego" pode ser muito bem feito e colorido, mas no fim das contas é de vento.

Quanto a "primitivo", não vou nem falar nada... putz. Não, vou falar sim: classificar algo de primitivo é que é colocar a si mesmo e à sua cultura como o centro do mundo, compreende? Quanto aos três ou quatro acordes: pra quê usar quatro acordes se você achar que naquela música só três ficaram melhores? E se quiser usar todos os acordes? E se quiser trabalhar só com contrapontos, também não pode porque aí vai ser ruim? Bach não concordaria. Se no "mundo real objetivo" o "número de acordes" define a qualidade de uma música e compor é o mesmo que construir um banheiro, então cada vez mais acho o tal "mundo real objetivo" uma construção idiota que só se sustenta por um consenso preguiçoso e acomodado. Sou mais um banheiro ou uma música de dois acordes.

Aí vem a questão da LINGUAGEM, que você colocou com letras maiúsculas e tudo, como se fosse divindade: e desde quando alguma linguagem é objetiva e absoluta, não é construída, criada e baseada em algum grau de consenso? Eita Marcelo, vamos lá, te citando de novo, com uns grifos meus agora: "... a MINHA distinção entre bom e ruim é baseada numa questão de LINGUAGEM, e quero deixar uma coisa muito clara aqui: é preciso muito, muito pouco pra se elaborar uma linguagem sofisticada e atingir o nível do que EU chamo de boa música...". Pronto, taí: a SUA distinção, o que VOCÊ chama de boa música. Preciso dizer mais alguma coisa? E essa de "aspecto funcional de uma sociedade"? Caaara, não era nada disso, eu estava falando de vida, vivências, experiências e prazeres pessoais, nada de "função". Quanto a livros e escritos... bom, eu prefiro Guimarães Rosa escrito "errado" do que as aulas do professor Pasquale, me desculpe. Já que entrou no assunto, quem quiser ler "O Som e o Sentido" do Wisnick poderá ter uma bela experiência. Se esbarrar com umas coisas de filosofia pelo caminho, faz bem. Uns textos da Hilda Hilst também, mas cuidado: dizem que ela é "difícil". Eu acho lindo demais, eu choro. Mas isso é subjetivo. Bem, o bonito é que o nível da discussão agora está mais alto, embora nos comentários apagados da outra vez existissem situações mais engraçadas, hahaha. Também gostei dos Móveis e da Roda, assim como de muitos outros, mas a vitória do Acuri foi linda. Beijo, tchau.
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Ouvindo Legowelt, claro.
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E AQUI um link que resume tudo isso em uma tirinha de um quadrinho - invejável poder de síntese, taquepariu! Na janelinha no alto, "escola da vida", selecionem "VERDADE". Depois pode ler as outras também, ótimas. E boa sorte...