25.4.08

Novela

Tempo de raiva, do despertar de iras antigas, tropeços encimesmados afundando e refluindo estigmas. Um ver repleto de descrer, de angústia que se nega ao cinismo mas se trai em desgosto. Criar vinte personagens que digam o que não consigo, o que não cabe em minha persona, máscara-eu. Outro eu além do clichê-máscara? Maquiar a cara de de vinte e tantas mil maneiras diferentes e esquecer o rosto num canto. Enfiar a faca no olho do espelho-mudo e assistir ao seu choro. Clap clap clap, palmas para o palhaço, amendoins para os macacos, elefantes para os ratos, não alimente os animais, hora do comercial.

Quantos além? Vinte personagens ou três ou sete ou quatorze mil fragmentados habitantes das antípodas do que chamam “mente”, certamente muito mais do que estas cinco letrinhas com seu som fanhoso conseguem expressar. Quatorze mil guerreiros agora, de épocas várias, do atemporal. Quatorze mil contra “o mundo”, dragão inefável de brutalidade, rindo o sangue dos antepassados, dos que morrem neste segundo que já passou e no seguinte também, quatorze mil em guerra contra as pequeninas regras e sistemas e interdições e pagamentos e impostos reprovações liquidações hipocrisias politicagens invejas cegas, vejas de ler ou de limpar, tá sujo aqui, ó! DEIXA SUJO, o que você acha que limpar aí vai te fazer de tão incrível? Hora da novela.

Quatorze mil em uma batalha pode não ser muito, mas é mais que um desgastado eu, manco e flácido e histérico adiposo, quatorze mil pedaços restantes formam um todo?

Não espere mais respostas. Silêncios tumultuosos, intrigas palacianas, rasteiras, bofetadas, galãs e bandeirinhas de São João, já é dia das mães, é? Como nesse ano o tempo vôou, né menina? Entra o jingle, hora de esgrima no para-peito.

Torpor e um fazer-se planta, pedra, novelo, fôlego, coisas sem pergunta, sem resposta e maiores que ecos reflexos de “ser”, isso que chamam “eu”. Fazer-se esfinge, fluxo do Estige e dos estigmas tecer enigmas mutáveis, aracnídeos, novelos de Ariádne. Não devo falar muito para que nada se esclareça em demasia e me torne mal-compreendida. Torno-me outra. Meu “eu” não é lírico. A primeira pessoa é só mais uma.

Hora do chá, sente-se por favor.