Com mais de mil demônios dançantes!
Stephan, "Das Ich".
A noite tinha começado bem, depois de algumas intempéries: o taxista era gente boa e o Aterro começava a brilhar mais do que o habitual. Sorríamos, e o blablablá fluía na medida. A corrida saiu bem mais barata, foi mais rápida e mais agradável do que o normal. Primeiro bom sinal.
Rua cheia e o Cine Íris resplandecendo, velho, decadente, belíssimo. Gente boa na porta, oi oi tudo bem?!?, estávamos elétricos, íamos entrar logo sozinhos, o primeiro show já ia começar. Do nada, os amigos que eu esperava apareceram, sem que combinássemos nada: Marcelle, Mobi, Flavinha, Bix... segundo bom sinal: estávamos no fluxo.
Uma bebida, uns olás, uma flanada rápida e o show do 3 Cold Man, synthpop bem retrô e bem feito, performance suave. Algumas fotos, fluídas como o som e a noite até então. Mas a eletricidade atiçava neurônios e nervos, começou a exigir um pancadão nervoso, com a visão da cidade acesa: e foi o que aconteceu no terraço, Spark só no electro do bom e do melhor, dançar era inevitável. Zé Roberto Mahr continuou muito bem a brincadeira, incluindo EBM e outras boas antigüidades que escuto ele tocar desde que eu era criança: no NT-30 da extinta rádio Fluminense, em discotecagens no finado Crepúsculo, naquele lugar bizarro que era o Balibar...
A pista esvazia um pouco e soa o alerta: o show começou. "Das Ich", que eu costumava dançar nas festas "Interzona", a bisavó da DDK, que acontecia na Basement e num lugar lá na Tijuca que já não sei mais o nome, Black Night, era isso mesmo? Das Ich também rolava sempre nas discotecagens udigrudi em SP, quando eu ia tocar por lá com o Inhumanoids, em lugares como Retrô e Armaggedon. Gostava, me acabava, mas não cheguei a virar fã, pagar uma grana em disco importado, essas coisas - na época eu não tinha nem computador, baixar mp3 então... existia isso? A verdade também é que não tenho muito espírito nem de fã, nem de colecionadora. Prefiro entrar no fluxo... e isso já estava acontecendo; e a noite prometia mais, muito mais.
O que acontecia no palco estava além do que eu esperava: uma densa camada de som e luz servia de fundo para a voz gutural e a dança insólita de um ser que não parecia exatamente humano. Lambuzado como se tivesse acabado de nascer - só que adulto, um golem vestindo calças vermelhas e sapatilhas pretas - o vocalista conduzia a dança e o êxtase de mais de mil demônios. Mais de mil criaturinhas no escuro, participando daquele show-ritual, tornavam-se algo mais do que uma multidão-de-preto-que-ouve-gótico. Ao tentar acompanhar aqueles movimentos sem explicação e aquela voz inumana, uma alquimia também podia se processar em quem assistisse e dançasse junto. Ali, sujo de sangue artificial, fluindo como um fauno eletrificado, um frankenstein bailarino, um demônio da música, uma entidade de mitologias olvidadas, um personagem expressionista que esqueceram de inventar, ele dizia: "Renasçam - sempre!".
O show-ritual exigia dança e participação, mas exigia também que se guardasse imagens - viajei nas fotos, procurei captar um tantinho da fluidez dos movimentos, da força das expressões, do encantamento das luzes. Mas o máximo que se consegue, sempre, é apenas uma lembrança. E foto não tem som, cheiro, vida - especialmente as digitais. Mas a gente faz o que pode.
Ao fim, o Stephan ainda me alegra com um mini-discurso anti-nazi. Um alívio, já que tem tanta gente que confunde alhos com bugalhos e paga o mico sério de se dizer nazi; ou gente que acha que gostar de coisas da terra do chucrute é sinônimo de simpatia pelo nazismo, povo que não leu e não entendeu nada de Nietzsche mas dá "opinião", que fala merda sem querer ouvir qualquer argumento. Qual é... o Stephan mesmo é um perfeito exemplo do que a corja nazi condenaria como "arte degenerada".
Depois do show, ficamos meio desnorteados e bebuns. Acabamos lá no escurinho da pista rock, pulando feito loucos até 6 e pouco da manhã, ao som de velharias queridas como Siouxsie, Sisters, Sonic Youth, Cocteau Twins. E o Stephan lá, dançando com a galera do mesmo jeito que dança no palco, só que "na dele". Essa figura não é humana - será um übermensch?
Eu não acredito num deus que não saiba dançar!
1 Comments:
muito bom tudo isso
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